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Oeste Outra Vez mostra a decadência da figura do lobo solitário

A primeira e única vez que aparece uma personagem feminina em Oeste Outra Vez (2024) é na cena de abertura. Nela, Totó (Ângelo Antônio) fecha Durval (Babu Santana) no meio da estrada e os dois iniciam uma briga. O motivo da troca de socos e chutes é Luiza (Tuanny Araújo), que abandonou Totó para ficar com Durval, e o homem que foi abandonado não aceita a perda, dizendo que o personagem de Babu “roubou ela”.

A mise en scène construída coloca em primeiro plano Totó sendo espancado, enquanto Luiza sai do carro e caminha para longe da violência e da brutalidade causada pelos dois homens. Apenas vemos as costas da personagem que lentamente abandona aquele espaço, deixando para trás aqueles homens que a enxergam como um troféu a ser disputado. 

Em mãos menos habilidosas o filme poderia facilmente cair numa vilanização das mulheres, que abandonam os “pobres maridos” e os deixam numa situação de solidão e melancolia. Mas o que se vê, tanto no texto quanto na imagem, são os vários motivos desses homens serem abandonados. Seja por tratarem as mulheres como um objeto de posse ou pela violência e pela forte presença do álcool que está retratada na tela.

A quase ausência de personagens femininas traz força ao universo criado por Erico Rassi no interior árido de Goiás – mostrando a desordem instaurada em um mundo sem mulheres. 

Apesar de diversas desconstruções na história recente, como O Segredo de Brokeback Mountain (2005) e Ataque dos Cães (2021), o western quase sempre foi um gênero que romantizou a figura do cowboy frio, solitário, corajoso e “cheio de testosterona”. Provavelmente o sonho dos muitos homens que se dizem red pills – masculinistas e antifeministas que se acham superiores às mulheres e até em relação a outros homens.

Ataque dos Cães, dirigido por Jane Campion, ganhou Oscar de Melhor Direção em 2022 – Foto: Reprodução/Film Grab

É só pensar em alguns dos “clássicos do faroeste” protagonizados por Clint Eastwood e John Wayne entre os anos 1950 e 1970. Mesmo sendo inegável a qualidade de alguns desses filmes, é bem discutível a masculinidade representada neles. Era, de certa forma, um retrato da época, o que não faz os filmes deixarem de ser divertidos, mas quando analisados sob a perspectiva atual podem levantar temas  que talvez não fossem tão debatidos no período. 

O Estranho Sem Nome, interpretado por Clint na Trilogia dos Dólares de Sergio Leone, por exemplo, acabou se tornando um ícone do cinema. Uma personagem que apesar de toda sua importância, foi pensada na audiência masculina de western. Uma pessoa de poucas palavras, solitária e que quase sem expressar emoções – o típico estereótipo do cowboy que foi eternizado no imaginário popular. 

Clint Eastwood como o Estranho Sem Nome em Por um Punhado de Dólares – Foto: Reprodução/Domínio Público

Já em Oeste Outra Vez essa figura é subvertida por Erico Rassi, e também jogada ao ridículo. No filme, o homem solitário, supostamente valente e “cheio de testosterona”, é colocado como decadente e patético. 

Após apanhar de Durval na cena inicial do filme, Totó vai atrás de um velho pistoleiro, Seu Jerominho (Rodger Rogério) para contratá-lo para matar o personagem de Babu. Jerominho pergunta: – “Esse homem bateu no senhor?” e Totó, quase que numa tentativa de reafirmar sua virilidade, responde: – “Eu bati nele também”.

Na sessão em que assisti ao filme, em uma sexta-feira à noite em uma sala de cinema de shopping, muitas das cenas de diálogos geraram risadas na plateia. A graça estava exatamente no ridículo da reafirmação dessa masculinidade e na dificuldade que as personagens têm de expressar seus sentimentos.

Rodger Rogério faz Jerominho, homem que ajuda Totó na sua missão de vingança – Foto: Reprodução/O2 Play

Em outra cena, uma dupla de matadores contratada por Durval para matar Totó, dorme em um quarto de hotel e um deles tenta se abrir sobre como se sente depois de ter matado o atual marido de sua ex-mulher, mas simplesmente não consegue. Apesar da disposição do seu parceiro de profissão – que é um homem mais jovem –, de ouví-lo, há uma trava que o impede de falar sobre seus sentimentos. A única forma possível que esses homens parecem conseguir expressar suas dores e frustrações é a partir da violência.

Erico Rassi ao transpor esse conflito dos homens, que não conseguem se expor emocionalmente,  acaba escolhendo imagens bem eloquentes. A maioria dos planos estão distanciados dos personagens: vemos eles através do espelho; de costas; com uma sombra cobrindo alguma parte do corpo deles; em algum ambiente escuro; ou até em um plano geral. A câmera até tenta se aproximar deles lentamente com o uso do zoom, mas o plano sempre é cortado antes que se possa chegar muito próximo. Quase como se os personagens não dessem liberdade de uma aproximação, mesmo em repetidas tentativas. 

Com isso, contemplamos o vazio desses personagens tragicômicos. Ao som de Tudo Passará, de Nelson Ned, vemos diversos homens felizes e se abraçando em um bar, enquanto enchem e esvaziam os copos de cachaça. Talvez o único objeto em que podem jogar a frustração e a sensação de mediocridade para além da violência.

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