A palavra “simples” aparece na maior parte das críticas que já li sobre o longa “O Dia Que Te Conheci” (2023), dirigido e roteirizado por André Novais Oliveira, mais uma das obras cheias de potência que a produtora Filmes de Plástico, lá de Contagem, Minas Gerais, nos ofereceu nos últimos anos. E confesso que quando leio as críticas sempre me pego pensando no que as pessoas querem dizer com esse “simples”.
A vida da classe trabalhadora, um dia “comum” na vida de um trabalhador ou uma trabalhadora, é praticamente toda a vida da maioria das pessoas, certo? Ou seja: acordar, sair de casa, atrasar, perder o busão, tomar remédio antidepressivo, tomar uma birita para relaxar, paquerar… É a vida, enfim, cheia de subjetividade. Em “O Dia Que Te Conheci”, temos um dia (e uma noite) na vida de um trabalhador que encontra a vida de outra trabalhadora.
E acompanhamos essas horas, esse encontro e tudo que vem com ele. Há, no que é chamado de “simples”, um enorme “som interior”, além de um “som ao redor”. Há uma intensidade sem tamanho. Há, no contexto dessas duas vidas durante esse dia e essa noite, todo o profundo que pode haver em cada vida: há história, há camadas, há um sistema opressor de muitas formas e por todos os lados, há viradas.
Mas, talvez por estarmos acostumades a grandes viradas, a histórias épicas (que são do sistema, também), aos plot points explosivos e “gigantes” do cinemão, o que conseguimos ver ali fique no “simples que abraça algumas profundidades em alguns momentos”. Mas Zeca (Renato Novaes) e Luísa (Grace Passô) são bem mais que isso. Questiono, aqui, o sentido de “pessoas comuns” e “pessoas importantes” na hierarquia de valores dos personagens cinematográficos e daquilo que escrevemos sobre eles.
O que André Novais de Oliveira e sua equipe nos entregam é uma história de pessoas. Não são “simples” acontecimentos, são acontecimentos nessas vidas e suas subjetividades e materialidades. Aí mora a grandeza de saber roteirizar e dirigir aquilo que o sistema considera “simples” e “pequeno”. Dar o tempo de ver e fruir daquilo que consideramos “simples” e “pequeno”, como correr para pegar o ônibus ou acordar cedo para comprar pão na padaria (e nessa cena, especialmente, com um toque absurdo de lindo naquilo que acontece com o protagonista no caminhar até a padaria). Não é simples.
É um roteiro complexo, cheio de acontecimentos. É uma obra que nos carrega, alegra e incomoda. Renato Novaes e Grace Passô entregam pessoas/personagens absolutamente complexas, em tudo. Nada contra a simplicidade, o simples. Só entendo, aqui, que dizer isso subtrai demais o poder desse filme e o poder cotidiano de mover a vida que têm as ditas pessoas “comuns”. A linguagem hierarquiza, a crítica hierarquiza o que é simples, o que é complexo. E quem tem direito de ser cada coisa.





